Feminino, um problema de mentalidades

Na semana passada o “universo do andebol ficou em choque com o anúncio do abandono de Alexandrina Barbosa da Selecção Nacional“. Além disto a melhor jogadora portuguesa de sempre confirmou que irá naturalizar-se espanhola. Alexandrina justificou esta sua radical opção com a “forma como o andebol feminino português está, e é tratado“. Segundo a atleta que alinha actualmente pelo Itxaco de Espanha, o andebol em Portugal “nunca evoluirá mais do que aquilo que já evoluiu” apesar de garantir que “há bastante valor entre jogadoras e técnicos“. A atleta, que se pode sagrar campeã espanhola este ano, disse ainda “tenho jogado ao mais alto nível e não posso mais trabalhar nestas condições“.

Não posso condenar esta atleta pela sua decisão. E não posso fazê-lo porque tenho bem presente que o desporto feminino português, nos moldes em que é gerido actualmente, não passará do amadorismo. E por isso é impossível que mulheres talentosas possam vingar numa carreira desportiva. Nem sequer têm a possibilidade de ingressar numa carreira internacional porque, como diz e bem a andebolista, não há condições para evoluir a nível técnico, táctico e psicológico.

Portugal é sobejamente conhecido pela sua disparidade e desequilíbrio em certas áreas. Isso está correlacionado com a mentalidade retrógrada da maioria dos portugueses. Algo que se verifica com grande incidência no que toca à discriminação da mulher na sociedade, seja em casa, no trabalho, na política ou até no desporto. Mas depois todos se regozijam quando vêem aprovadas leis que obrigam à inclusão da mulher. Mas em que século vivemos? No século XVIII? Em que país vivemos? No Sudão? Proclamamo-nos como um país de 1º mundo, europeu, desenvolvido e depois temos de ser “obrigados” a tratar de igual forma as mulheres?

O desporto feminino em Portugal, não tem só um problema de falta de aposta, de falta de investimento. Tem um problema gravíssimo que está directamente ligado à mentalidade dos dirigentes, adeptos, patrocinadores e comunicação social. Mentalidade essa que quando se vê confrontada com os factos se apressa a fugir às responsabilidades e a dar como argumentos medidas avulsas que pretendem apenas “tapar o sol com a peneira”. No voleibol, tenho a certeza que se alguém criticasse a FPV pelo abandono da modalidade no género feminino, os seus responsáveis viriam logo dizer que até contrataram uma treinadora cubana de renome para as selecções. Como se isso resolvesse alguma coisa.

Temos provas de que há mulheres tão ou mais talentosas que os homens em várias modalidades. Mulheres essas que podem levar bem alto o nome de Portugal, tornar-se modelos para os mais jovens e contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e rica. Mas insistimos em deixá-las cair, desperdiçando assim um capital que elas nos podem oferecer. No voleibol temos imensas atletas com potencial para crescer e estar entre as melhores. Infelizmente elas não têm condições para evoluir, nem oportunidades para se mostrar. Não há possibilidade dos clubes participarem nas provas europeias, e a selecção nacional é tão fraca e esquecida pela FPV que as melhores abdicam de a representar.

Chega de palavras vazias e de atitudes hipócritas que nada resolvem. Está na altura de haver uma verdadeira revolução de mentalidades. É hora de começarmos a olhar para a mulher e cumprirmos o que está estabelecido no acordo da ONU: “A mulher deve ter o direito à igualdade e a estar livre de todas as formas de discriminação“. Deixemos de olhar, gerir e pensar o desporto feminino – em particular o voleibol, que é o mais praticado – como se de caridade se tratasse. Vamos apostar forte e confiar nas capacidades das nossas mães, irmãs, filhas, primas, sobrinhas ou amigas. Elas têm esse direito.

Nota: Aproveito para deixar aqui também uma curta e interessante entrevista feita há uns tempos pela revista “a página” à Prof. Paula Botelho – Presidente da Associação Portuguesa Mulheres no Desporto

One Response to Feminino, um problema de mentalidades

  1. […] foi um digno vencido. Estas duas equipas são o exemplo do que melhor há no abandonado e esquecido voleibol feminino. Trabalho, exigência, dedicação, esforço, sacrifício são palavras que estas atletas bem […]

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