Recentemente o PSD tornou pública a sua proposta de alteração à Constituição da República. Muitas vozes se levantaram em relação a um tema que é tabu na nossa sociedade: a privatização da RTP, ou a não existência de meios de comunicação social do Estado. Em vez de olhar para a proposta com preconceitos, vale a pena reflectir um pouco.
No início do séc XIX começou a luta pela liberdade de imprensa, pelo facto de esta servir para contrariar o despotismo dos governos. A imprensa era um meio de fiscalização dos que detinham o poder. Os maiores defensores de uma imprensa livre diziam que ela ajudava a “controlar a auto-preferência habitual de quem governa” e obrigava os poderosos a respeitar e servir o povo.
Estas linhas mestras desaconselham que haja meios de comunicação social tutelados pelo governo. Senão, que é feito da opinião livre que pode fiscalizar o governo? Temos a liberdade de imprensa como dado adquirido em Portugal (desde 25/04/74), mas o facto é que existe auto-censura. São os próprios jornalistas que se censuram a si próprios. A (in)consciência diz-lhes que há muito em jogo: a reputação, a família, o emprego ou o processo judicial iminente. Essa auto-censura obriga-os amiúde a pensar duas vezes.
O dever dos governos é zelar pelo interesse comum, mas o facto é que esse papel tem cabido mais à imprensa. Ela reprova incompetentes, déspotas ou tiranos que tentam asfixiar ou fugir à opinião pública. A imprensa livre expõe publicamente os abusos do poder político. Ao contrário, sabemos como a imprensa que depende do governo pode ser usada como veículo de propaganda de interesses político-partidários que procuram influenciar a opinião pública.
Outra questão que se tem levantado também, é a do princípio da universalidade subjacente ao serviço público. O famoso princípio de que os canais de rádio e TV devem transmitir programas que abranjam uma vasta audiência e satisfaçam todos os gostos. Tem a RTP seguido esse princípio? Ou será que temos hoje uma TV pública que apenas tenta concorrer com as privadas, esbanjando o dinheiro dos nossos impostos.
Se querem manter uma TV do Estado, talvez seja melhor enveredar pelo caminho já sugerido por alguns: TV sem publicidade. Isto porque o que temos visto são os efeitos decadentes que tem o poder da publicidade sobre os programas de TV. A publicidade comercializa a estrutura e o conteúdo dos programas. O êxito é medido em termos de rendimentos publicitários e níveis de audiência.
Isto faz com que aumente o lixo televisivo: programas em que se transformam casos judiciais em peças barrocas de TV; novelas e séries cheias de cenas de sexo, adultério, traição e crime; Reality Shows onde abunda a devassa. E assim sendo perde-se o espaço para programas pedagógicos, cultura nacional, documentários sobre história… enfim, o tal princípio da universalidade.
O que se quer numa TV pública? É um canal que cultive a indústria de massas que produz ilusões e faz prevalecer a satisfação expressa em banalidades, reinar o pseudo-individualismo e encorajar as pessoas a não pensar em termos críticos acerca de coisa nenhuma? Queremos um canal que lute por audiências oferecendo programas de diversidade insuficiente, que duplique inutilmente tipos de programas? (Novelas, Reality Shows…).