O estado dos partidos, partiu o Estado

Fui convidado pelo Pedro Correia, a escrever um post para o Delito de Opinião. O convite lisonjeou-me e achei por bem escrever sobre um tema que me preocupa sobremaneira, e julgo que à maioria dos conscientes portugueses. Deixo-o aqui, mas sugiro que visitem o Delito de Opinião.

Escuso-me desde já a opinar sobre a situação actual do país. Milhões de linhas foram já escritas na blogosfera sobre o estado a que chegamos. Neste ponto temos um problema grande para resolver. E não, o problema não é o da aprovação de um qualquer orçamento. O problema é, isso sim, se há alguém que nos possa tirar desta situação.

Sabemos de antemão que, dado o sistema político que temos, esse alguém tem de sair de um partido político. E é precisamente este o maior problema do país. As cúpulas dos partidos – aquelas que se instalam em Lisboa e, estando ou não o seu partido no poder, conseguem sempre ir comer à gamela que contém os dinheiros do Estado – estão pejadas de gente que não interessa.

As estruturas nacionais dos partidos, donde saem os governantes (ou as escolhas para governantes) são compostas na sua maioria por pessoas que não têm sentido de missão, de serviço ou de responsabilidade. Pessoas que não têm mérito, competência, prestígio ou credibilidade. É gente sem estatura intelectual, sem escrúpulos, sem vergonha. Gente arrogante, egoísta e sobranceira.

Se recuássemos 30 anos, esta gente jamais teria enveredado pela vida política. E quando digo isto, nem sequer me estou a referir às qualidades e defeitos que assinalei acima. Estou simplesmente a referir-me ao facto de, há 30 anos atrás, as remunerações dos cargos políticos não serem suficientes sequer para viver na capital. E nós sabemos como esta gente de hoje gosta da luxúria e do enriquecimento relâmpago.

Mas voltemos aos partidos, até porque a qualidade dos políticos de hoje está intimamente ligada a eles. Tal como diz o ditato: “é de pequenino que se torce o pepino”, e é nas estruturas locais dos partidos – ao nível das freguesias, dos concelhos e dos distritos – que começa a destruição da classe política portuguesa.

É a este nível (nas chamadas “bases”) que desde logo encontramos graves atropelos à democracia. Em eleições, que se dizem livres e democráticas, é gritante a falta de regras transparentes. As quotas pagas em massa a mando dos candidatos, os famosos autocarros de votos ou os cadernos eleitorais feitos à medida, são coisas já corriqueiras.

Depois disso, vem a total desorganização da estrutura (entre direcção, eleitos e militantes), e também a completa ausência de projectos estratégicos, rumos definidos, actividades planeadas ou defesa de convicções. O que importa mesmo são as lutas internas, as tricas políticas, a execução de tarefas menores. Tudo isto contribui para a degradação da política, e para o afastamento entre população e partidos.

Há muito boa gente, com capacidades pessoais, profissionais e políticas (imbuida das mais nobres intenções) que poderia ingressar nos partidos e participar (this is what our regime is about), mas que não o fazem – em alguns casos chegaram mesmo a fazê-lo e depois desistiram – porque não têm estômago para este tipo de vida partidária menor.

Já a outro nível, é repugnante a ligação dos grandes interesses aos partidos. Aqueles interesses – cujos lucros (por vezes pornográficos) dependem dos negócios com o Estado – que gostam de ter “agentes” seus em lugares destacados nas direcções dos partidos. Como consequência disto temos a directa influência em decisões políticas, cujo pressuposto deveria ser o interesse nacional colectivo, mas acaba sempre por ser o seu contrário.

Sendo assim, o que se impõe neste momento é saber como poderá Portugal limpar os partidos políticos para encontrar soluções. Será com uma revolução ao nível das bases? Eu gostava de ir por este caminho. Gostava de ver gente da sociedade civil e, por exemplo, gente a quem pelos escritos reconheço capacidades, valores e princípios, ultrapassar os limites da blogosfera e ingressar na estrutura local do partido de que é simpatizante.

Será com uma reforma do sistema político ou com uma alteração à lei eleitoral? Numa altura em que se tem falado também muito em alterações à Constituição da República, talvez fosse mais importante que essas propostas de alteração versassem sobre esta problemática dos partidos, tendo em vista a sua regeneração. Experimentar um sistema uninominal ou misto (sería preferível e mais equilibrado), talvez fosse um caminho a seguir.

4 Responses to O estado dos partidos, partiu o Estado

  1. José António Salcedo diz:

    Caro Luis,

    Não posso estar mais de acordo com os pontos que referes. Precisamos de colocar no poder pessoas íntegras, competentes e que estejam orientadas ao serviço público. Ora essa necessidade do país é incompatível com a actual filosofia dos partidos políticos, porque eles estão preenchidos em grande medida por pessoas estritamente orientadas a servirem-se do país em vez de servir o país. Precisamos de actuar na transformação dos partidos.

    • Luis Melo diz:

      Caro José António,

      É isso mesmo que aponto: é necessário actuar na transformação da filosofia de trabalho e de actuação dos partidos políticos, porque da maneira como eles estão hoje em dia, só servem para afugentar pessoas de bem. Mas nesta altura, e se queremos continuar com o sistema político que temos (que, como já disseram muitas vezes, é o melhor dos piores) estas pessoas de bem têm de se aproximar dos partidos de maneira a afastar os tais que só estão lá para se servir. Doutra forma o sistema vai implodir (todos perderemos com isso) e sabe-se lá para onde podemos caminhar (para uma ditadura/democracia musculada quiçá).

  2. José António Salcedo diz:

    Concordo… 🙂

  3. cefaria diz:

    O comentário que deixei no terreno dos delitos…
    “Infelizmente a limpeza dentro dos partidos é muito difícil, mas não é só culpa destes.
    Na verdade, é no nível da concelhia e do poder autárquico que começa a aprendizagem para eventuais lutas maiores, só que muitas vezes estas escolas já o são de vício e não de serviço e isto pode ser em parte um problema interno dos partidos.
    Mas ao mesmo nível, também é verdade que as propostas consistentes e necessárias ao local onde se inserem os iniciantes, são muitas vezes chumbadas pelo povo que vota, isto porque o eleitorado compra melhor a demagogia do que a honestidade e a humildade na gestão da coisa pública…
    Logo além da limpeza interna, há que mudar a mentalidade colectiva para que a mudança necessária a Portugal possa vingar.”

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