A triste história do meu amigo Manuel (Parte 2 de 2)

17/10/2012

(continuação deste post)

O Tio João era um homem com bom coração e por isso deu-lhe nova oportunidade. Ao mesmo tempo era inteligente e não se iria deixar enganar novamente. Propôs ao Manuel que fosse trabalhar na empresa dele e que acabasse com a boa vida, os gastos inúteis e o esbanjamento.

O Manuel aceitou. Afinal de contas não tinha alternativa. Era isso ou voltar para a vila, vivendo pobre e sob a alçada dos pais austeros. A ideia de trabalhar para o Tio João, que lhe pagaria um ordenado (do qual retiraria um “dízimo” para pagar a dívida) era apesar de tudo mais agradável.

Os primeiros meses foram difíceis e o Manuel parecia conformado, mas a certa altura começou a sentir-se explorado. Achava que trabalhava muito e que o ordenado que o Tio João lhe pagava era insuficiente. Ainda por cima “ressacava” por não poder ir para os copos e de férias com os amigos.

Falei com ele nessa altura: “Manel, olha que tu tens de ver bem a tua situação. Não te esqueças que enganaste o teu Tio João e agora estás a pagar as favas. O mau da fita aqui não é ele que durante anos te deu dinheiro que esbanjaste. Tu é que fizeste merda. Agora aguenta-te à bronca“.

Mas ele não me ouviu, nem a ninguém. Mesmo depois do que fez achava que o Tio João lhe deveria pagar mais, exigir menos e até perdoar algumas dívidas. Passados umas semanas insubordinou-se, insultou o Tio João e despediu-se. Naturalmente que depois disso também teve de sair de casa.

Andou uns dias a dormir por casa de uns amigos e a pedir-lhes dinheiro emprestado, na promessa de que pagaria logo que arranjasse um emprego. Mas a verdade é que habituado a não fazer nada e com mentalidade parasita não se esforçava sequer para arranjar um trabalho.

Obviamente todos os amigos chegavam ao limite, deixavam de lhe emprestar dinheiro e diziam-lhe para procurar outro lugar para viver. Aconteceu o mesmo comigo. Por muito amigo dele que fosse, a verdade é que ele continuava a abusar, não mostrando qualquer sinal de se querer redimir.

Com vergonha e sem vontade de voltar para a vila e para casa dos pais, deixou-se ficar por Lisboa. A vida dele degradava-se. Dormia onde calhava, até na rua. Deixei de falar com ele e de o ver. Sei agora que começou a arrumar uns carros, pedia esmola, roubava e meteu-se na droga.

Um triste fim para quem teve a oportunidade e as condições para ser alguém na vida, mas preferiu esbanja-la.

Legenda:
Manuel – Portugal
Pais do Manuel – Estado Novo
Maria – MFA (Movimento Forças Armadas)
Lisboa – Pós 25 Abril 1974
Tio João – União Europeia


A triste história do meu amigo Manuel (Parte 1 de 2)

16/10/2012

Há uns anos conheci o Manuel. Era um tipo engraçado, que gostava de uma boa borga. Vivia com os pais, pessoas conservadoras e exigentes, que lhe cortavam todos os vôos e sonhos. Queriam que ele tivesse os pés assentes na terra e vivesse apenas com aquilo que tinham lá em casa, na vila.

Passados uns anos, com a ajuda da prima Maria, conseguiu convencer os pais a ir viver para casa dos tios em Lisboa. Viviam bem suportados pelo sucesso do empresa que o Tio João tinha com o sócio. Mais tarde o Manuel ficaria mesmo à guarda dos Tios de Lisboa, que o sustentavam.

O Tio João era um homem inteligente, sensato e generoso. Vai daí fez uma espécie de contrato com o Manuel. Disse-lhe que, como os seus pais não tinham condições para apostar na sua educação, ele estaria disposto a dar-lhe dinheiro para estudar e emprestar-lhe algum para viver.

A ideia do Tio João era que o Manuel tivesse a oportunidade de construir fundações para um futuro de sucesso (tal como o seu) e que, após estar estabilizado na sua vida, lhe pagasse aos poucos o que devia. Da mesada e dos extras, porque as propinas da universidade eram oferecidas.

Aceite a proposta do Tio João, o Manuel inscreveu-se numa universidade, e todos os meses o Tio lhe dava o dinheiro. Mas o Manuel viu-se em Lisboa com dinheiro no bolso e deslumbrou-se. Tanto o dinheiro das propinas, como o da mesada gastava todo em noitadas e outras inutilidades.

Foram 5 anos maravilhosos para o Manuel. Faltava às aulas e chumbava o ano, mas divertia-se à brava com os amigos nos copos e nas férias. Como mentia sobre os resultados académicos, o Tio João premiava-o e dava-lhe mais dinheiro. Ele comprava consolas, viagens, uma mota e até um carro.

No ano em que era suposto ter acabado o curso e começar à procura de emprego, o Manuel começou a sentir-se um bocado entalado. Estava enterrado em mentiras junto do Tio João e naturalmente não conseguia arranjar um emprego que lhe permitisse liquidar as dívidas que tinha.

Durante esse ano eu e outros amigos dissemos-lhe que ele devia mudar de vida. Deixar de pedir dinheiro ao Tio João, evitar saídas à noite, tentar arranjar um trabalho honesto para começar a equilibrar as contas e, no limite, dizer a verdade. O Manuel preferiu continuar a mentir.

Passados uns meses a situação tornou-se incomportável e o Manuel teve mesmo de dizer a verdade ao Tio João. Obviamente o Tio João ficou furioso e abismado. A vontade era expulsar o Manuel de casa. Tinha-o tratado como um filho e agora descobria que o Manuel o tinha enganado.

(continua amanhã…)

Legenda:
Manuel – Portugal
Pais do Manuel – Estado Novo
Maria – MFA (Movimento Forças Armadas)
Lisboa – Pós 25 Abril 1974
Tio João – União Europeia


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